Solidariedade – Juntos Por Ansara
O Colégio de Lourdes, em articulação com a Associação de Apoio Social das FMNS, visitou uma das zonas mais fustigadas pelos incêndios do dia 15 – a aldeia de Ansara no concelho de Vouzela, onde as Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora têm uma comunidade ao serviço dos irmãos, na Santa Casa da Misericórdia.
Foi no dia 22 de outubro que uma carrinha partiu do Colégio e levou diretamente ao local bens de primeira necessidade (roupas, cobertores e outros), cedidos pelos alunos e suas famílias, e teve oportunidade de dialogar e “perceber” o sentir daquelas gentes.
Como verbalizou a nossa Irmã Adelaide: “Quando nos despedimos, os rostos tinham outra expressão, bem mais brilhante e cheia de esperança. Não estava tudo perdido! Tinham feito amigos e a certeza de que voltaríamos.”
Numa viagem onde a paisagem é negra, o cheiro a fumo paira no ar e as pessoas caminham com desalento, viveram-se experiências verdadeiramente marcantes. Uma equipa, formada pelos professores Pedro Reis, Nuno Sousa, Duarte Almeida e Irmã Adelaide, em representação do nosso Colégio, levou a carrinha que os alunos prepararam com roupas, cobertores e colchões para as populações.
Por entre caminhos destruídos pelo fogo, fumo que ainda saía da terra, lá chegamos àquele alto do monte, abandonado, esquecido e isolado. Nesse momento, ouvimos os desabafos, todos de ajuda que não chegava: “Não querem saber de nós!”, afirma uma idosa, rosto visível em diversas reportagens da televisão. Aquela aldeia estava totalmente abandonada! No dia dos incêndios, não tiveram apoio de ninguém. Lutaram sozinhos. Um homem, aquando da chegada da nossa equipa, sai disparado em lágrimas a dizer que perdeu as suas ovelhas e abraça-se à Irmã Adelaide. Fomos levados a conhecer aquela aldeia que está agora destruída.
Entretanto, apresentaram-nos o senhor mais velho da aldeia, Sr. José! Estivemos a ouvir tudo o que aconteceu, com os seus olhos feridos pela dor, rodeado pelos seus dois filhos e, lá longe, a sua esposa.
Perguntamos do que necessitavam e responderam: “Precisamos de alfaias agrícolas, motosserras, material para trabalhar o campo. Não temos nada. Ardeu tudo. Ajude-nos, por favor. Queremos trabalhar.”.
Por forma a responder às necessidades, o Colégio e a Associação lançaram o desafio para uma grande odisseia: adquirir material – motosserras, enxadas, sacholas e outras ferramentas da gama das alfaias agrícolas, para que as pessoas daquela pequena aldeia pudessem voltar à terra e nela fazer renascer a Vida que o fogo monstruoso levou! Neste sentido, foi colocado um mealheiro na receção do Colégio, para que, ao longo da semana, quem pretendesse, abrisse o seu coração e contribuísse para esta nobre causa.
O Colégio de Lourdes abraçou mesmo esta causa! Assim sendo, no dia 28 de outubro, entusiasmados e orgulhosos pela generosidade, carregamos todas as alfaias agrícolas que a comunidade educativa e amigos juntaram durante essa semana e levamos também connosco um desenho especial elaborado pela salinha dos 5 anos, dedicado a esta população devastada pelas chamas. Partimos em direção a Ansara, carregados de esperança e com a certeza de que levávamos um pouco de nós para aquelas pessoas. Sentimos o calor humano, ferido pelas cinzas, testemunhamos a alegria perdida em lágrimas caídas e respiramos gratidão nesta terra. Porém, esta missão não acaba aqui, mas continua aqui!
Saímos de Ansara com a certeza de que ainda há muito para fazer.
Nessa Terra, o Colégio de Lourdes semeou e plantou solidariedade fraterna para com um povo perdido em cinzas. Assim, após a nossa equipa ter carregado os utensílios apadrinhados pelos corações solidários da nossa comunidade educativa e de todos os que tomaram parte nesta ação generosa, partimos, novamente, em direção à aldeia que tocou o nosso íntimo.
Na viagem, entre conversas de louvor e de bem-haja a todos os que estavam a ajudar, fomos encontrando outros, como nós, a transportar material para pessoas que perderam parte da vida nos incêndios.
Chegados a Ansara, reunimo-nos à volta da mesa, onde em comunhão com a nossa igualdade, unimos as nossas vozes numa só, rezando a oração do Pai-Nosso, um Pai que está presente, tudo vê, que tudo move e ajuda: Deus. É este mesmo Deus que está personificado no coração de cada um de nós, que dá e estende a mão ao outro.
Após este momento, era altura de regressar à entrada da aldeia para distribuir todos os bens angariados. Tratou-se de uma incumbência complicada, pois aquela população ainda vive e sobrevive com o drama da perda; assim, psicologicamente, valores como a partilha e a entreajuda são, neste momento, meras palavras soltas. Deste modo, a primeira tarefa foi alertar para a necessidade de viverem em comunidade solidária, partilhando todas as oferendas.
Quando terminou esta árdua missão, voltamos a caminhar sobre os terrenos corroídos pelas cinzas e visitamos alguns locais, onde o cheiro a animal morto invadia o nosso olfato e a nossa visão era consumida pela pobreza e destruição. Fomos, entretanto, encaminhados para a casa de mais um habitante. Os nossos olhos petrificaram, gélidos, amargurados, a olhar para aquilo que diziam ser “a nossa casa”. Como é possível, em Portugal, em pleno século XXI, uma família viver em condições tão desumanas? Por entre uma porta de ferro, perdida na ferrugem do tempo, entra-se num mundo à parte, onde o medo de cair, furando o chão, é inevitável.
Visitamos aquele local, misturados com pobreza, em que as paredes estão esburacadas, a ferrugem é ouro e os cheiros são nauseabundos. As moscas são as visitas diárias, a cozinha é um buraco negro com algo chamado “fogão” ali num canto. Não há nada.
O frio e a chuva entram em qualquer lugar, a qualquer hora, sem pedir permissão para o fazer. Não há o mínimo de condições para viver, quanto mais para sobreviver.
Ao lado encontrava-se outra casa, porém, nesta, já não tivemos coragem de entrar. Era mau de mais para ser verdade aquele mundo perdido. A revolta e a impotência vivenciadas foram indescritíveis. Sentimo-nos de “mãos a abanar” perante tamanha miséria escondida naquela casa, como assim lhe chamava o seu dono. Todos nós que ali fomos olhávamos uns para os outros, em silêncio. Voltamos mudos, incapazes de pronunciar palavras para descrever aquela miséria habitacional.
Muito há a fazer pelo interior do país. Não olhemos só para as grandes cidades, mas antes, por favor, cuidemos da nossa massa humana.
O certo é que é assim o nosso Portugal, voltado para as cidades desenvolvidas, esquecido das pequenas aldeias. Este é o pequeno exemplo de que, tal como o mundo olha para os países mais pobres, nós também olhamos assim para as nossas terras em que os recursos são escassos, sendo quase necessário que ocorra uma tragédia para que nos lembremos da sua existência. Olhamos com desdém, à espera que alguém vá lá e faça qualquer coisa e eles parecem felizes com tão pouco! Ou será que estão apenas conformados com uma situação, resignados a viver de forma miserável? Até quando? Certamente ninguém terá resposta para esta questão, pelo menos por enquanto.
Não podemos parar por aqui, quando ainda há tanto para fazer por esta pequena aldeia destruída e consumida pelas chamas. A missão continua…